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Pavilhão Maxwell Alexandre 5: estudos de tipo

 

Quase 10 anos após a conclusão de sua graduação em Comunicação Visual (Design) na PUC-Rio, Maxwell Alexandre retorna oficialmente à instituição com uma exposição no Solar Grandjean de Montigny. A mostra faz parte do Pavilhão Maxwell Alexandre, um projeto conceitual criado pelo artista e que teve início em 2023, focado especificamente em discutir sua obra de maneira menos burocrática, fora do circuito oficial de arte contemporânea.

 

O Pavilhão 5 ocupará o Solar da PUC-Rio do dia 27 de março ao dia 28 de junho com a exposição “Clube: estudos de tipo”. Nela, Maxwell apresenta obras de grande formato em papel pardo em contraste com pequenas telas de linho e as famosas piscinas de plástico da marca Capri.

 

A série “Clube” nasceu em 2020, quando o artista se tornou sócio do Clube do Flamengo para praticar natação. Foi ali que passou a se interessar pelos “banhistas da Gávea” e os elegeu como o novo assunto central de seu enredo.

Morar na barriga do sol

Este não é um texto curatorial. Maxwell possui interlocutores mais fluentes para abordar as implicações políticas, sociais e artísticas de sua obra. Aqui, prefiro adentrar pela lida que nos é comum: a de poetas. É uma condição difícil de aceitar. Difícil de se permitir ser. É necessária uma alma vasta, com disposição à dor — humilde e penitente —, e, ao mesmo tempo, ter os dois pés plantados no jardim dos Narcisos. Contradições inerentes a quem precisa de resiliência para seguir entre dúvidas, enquanto acredita que suas resultantes sejam “babado”. Dizem que todo trabalho de arte é uma carta de amor ao mundo, mas que o destinatário não acusa o recebimento, cabendo ao remetente repetir e repetir, até que a resposta venha. E vem. Pior que vem. 

Entre noivas, igrejas, cabelos descoloridos, raps, rolês, oferendas, clubes, Toddynhos, Danones, iFoods, patins, piscinas batismais e um monte mais de rituais inventados, individual e coletivamente, um cânone se fez. Liturgia que explicita um modo de viver em que luz e sombra convivem e atritam. Este contraste lhe servirá como regra básica no reino da pintura, para que seus corpos surjam detendo o truque do volume, e como ferramenta de denúncia, explicitando as relações estruturalmente racistas e excludentes de nossa tão violenta sociedade. Alguns destes movimentos me soavam excêntricos inicialmente, confesso. Sobrepunham códigos complexos, em que em alguns momentos a crítica parecia querer se mudar para o lar do criticado. O que, “na real”, é o preço natural para que sua mensagem vá mais longe. A flama precisa de fama para brilhar forte nos dias de hoje. Portanto, sempre entendi tais atos como parte da velocidade de quem tem pressa, de quem não pode se dar ao luxo de perder uma oportunidade sequer, de alguém que deve impor para se fazer ouvir. Chamemos isso de poder. 

Daí se vão quase dez anos, uma década, que nos frequentamos. Começo a intuir no íntimo de Alexandre outro termo, o deslocamento para a gravidade da potência. Força que diz respeito à capacidade de um ser existir e agir de forma plena e consciente de sua liberdade. Que permite desacelerações e a fissura em si para a ternura em suas mais diversas e sutis faces. Um bigodudo parabolizou esse processo como “as três metamorfoses do espírito”. A primeira forma é a do camelo, quando, para dura travessia, o viajante julga importante transformar sua alma em besta de carga e acumular provações que curvem os joelhos na esperança de flagelar o ego. Ali, no deserto, ocorre a segunda metamorfose. É do leão que se necessita para o direito ao não. É natural predar para se estabelecer. Mas também é preciso rapinar a própria carne, liberando-se de valores arraigados, abrindo solo para o porvir. Compreende-se que a conquista é proporcional ao abandono. Assim se está leve, ágil e atento para que o restante do itinerário seja construído magneticamente com o caminho.

Essa travessia para onde conduz? Para a inocência e para o esquecimento. A fera dá lugar à criança. Agressividade, à doçura. O entendimento de que o novo nasce de passos tolos e de que manter o estado infante é o único meio de se jogar o jogo da criação. O marco desta terceira transformação, me parece, foi a paternidade. A decisão de, junto com sua companheira, acolher uma vida. Órbita luminosa, em que o calor brando e sorridente do corpo de uma criança sobre o colo inaugurou um novo ateliê. Um vaso comunicante, umbilical, que conduz a um estado mais primitivo, mais simples, inocente, e não por isso menos belo, quando ainda não havia nomes para as coisas. Paixão, ódio, egoísmo, altruísmo, artista, caçador e guerreiro sentaram-se novamente na mesma mesa, sem hierarquias. Do garimpo para recomeçar, a oportunidade de erigir-se combinado a materiais sutis e misteriosos. Pó de estrelas, figos secos, mirra e veludo. Cacos de vidro, sêmen, ganância e assassinato. O reto e a curva. Para alguns, um exercício condicional de vida, a chance de um novo início; para outros, uma tortura a se evitar. 

Esta exposição ocorre na Quaresma. Um período sacrificial para os cristãos e especial para nossa universidade pontifícia, sobretudo. Nos quarenta dias que antecedem a Última Ceia, uma série de preparações devem ser observadas: preces, jejuns, autoexames, caridade, entre outras práticas místicas carismáticas. Estratégias de diminuição de si que nos permitem renascer mais compreensivos para com as contradições quase que irreconciliáveis da experiência humana; solidários para com os nossos fracassos e o de irmãos e irmãs. Afinal, só os pecadores têm um futuro. Só aos caídos é reservada a redenção — uma curiosa sincronicidade que pareceu fazer sentido mencionar, ecoando as imagens evocadas acima e aos ciclos que circunscrevo Maxwell. De algum modo, a produção apresentada aqui comenta um pouco disso tudo e vai além. Para um Além possível, em que arte, ciência e religião não diferem tanto assim e constituem estruturas saudáveis contra as quais, mais do que saber sobre Deus, forjaremos as perguntas corretas sobre sua imanência. Logo, sigamos ciganos. Claudicantes e ousados. Porque é a vaca profana que “põe seus cornos pra fora e acima da manada”, como ensina a canção. Viva Goia.

Por fim, gostaria de agradecer ao artista pela produção de obras especialmente para nosso espaço e a sua equipe, formada também (mas não só) por ex-alunos desta instituição. O “obrigado” também se estende a toda a universidade, representada em apoios que vão da Reitoria, passando por seus órgãos administrativos e departamentos até chegar aos funcionários do Solar. 

              Cadu, vivente no zoológico de Zaratustra e Caetano Veloso no Ano da Serpente

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