1˚ Pavilhão Maxwell Alexandre
Novo Poder: passabilidade
arte contemporânea e moda.
A Moda e a Arte são dois campos da cultura hegemônica ocidental que se consolidaram a partir da modernidade, cada um com suas especificidades, tendo como ponto em comum a forte influência que ambos exercem na construção de distinções sociais. Tanto a Arte quanto a Moda atuam em um sistema complexo que legitima determinadas hierarquias, e ambos envolvem aspectos ligados ao desenvolvimento dos conceitos de beleza e valores estéticos. A Moda reforça os valores estabelecidos pela sociedade de consumo, e a Arte provoca esses valores, nos ensinando a sonhar com perspectivas mais críticas. Funcionando em suas instâncias específicas, de um lado a passarela e as revistas de moda; do outro, os museus e as galerias de arte, em alguns momentos, as produções destes dois diferentes campos se cruzam e, em outros casos, os limites são tênues. Sabemos que a Moda, na realidade ocidental, conduz as escolhas e as preferências das pessoas, indicando aquilo que devemos consumir, utilizar, ou fazer. Mas é importante observar que ela atua também como uma forma de manifestação de poder, prestígio e distinção cultural, para além do capital financeiro, sendo, assim como a arte contemporânea, detentora de um grande capital intelectual e simbólico.
As roupas, as joias, os cabelos, as telas e as molduras servem como elementos estéticos que agregam valor e status a um corpo. Em outras palavras, um relógio não é apenas um acessório e vestir uma peça que gostamos e com a qual nos sentimos bem; assim como o ato de emoldurar uma obra, pode se traduzir em uma afirmação de poder.
A falta de interesse das periferias e favelas pela arte contemporânea, afirma Maxwell Alexandre, é um programa construído. Esse é um segmento de elite e também de distinção social mesmo entre os ricos. Para aqueles que têm iates, helicópteros, mansões e piscinas como bens corriqueiros, a arte torna-se uma referência para dizer quem é mais sofisticado. Dessa maneira, quem tem um quadro valioso na parede de casa e pode compreender o artista de seu tempo, se destaca. Do mesmo modo acontece no meio da Moda: a sensação de entrar numa loja Louis Vuitton é parecida com a sensação de entrar no Louvre. Ao ocupar esses espaços o sentimento de exclusão grita dentro do corpo negro, já para o corpo branco o sentimento geralmente é de pertencimento. Mas tanto a Moda quanto a Arte se apresentam como um desafio à ideia colonial de que sensibilidade e beleza são elementos que não pertencem a pessoas melanizadas.
filho da PUC.
O cruzamento da produção de Maxwell Alexandre com o universo da Moda ganha maior intensidade durante o período em que foi aluno da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Por cursar Design, Maxwell teve acesso aos laboratórios de Moda, onde pôde recolher materiais que vieram a ser necessários para suas experimentações, como os retalhos de papel pardo repletos de rascunhos e anotações que eram descartados nas aulas de modelagem de roupas. Ao se deparar com esse material, o artista alcançou pouco a pouco a intimidade necessária para germinar as primeiras pinturas que dariam origem à série 'Pardo é Papel'.
Pintar personagens negros com atitude e posições de poder naqueles fragmentos de papel usados para construir roupas, foi uma interseção poderosa que Maxwell Alexandre encontrou para enfatizar a afirmação de que tanto a Arte quanto a Moda são sustentáculos que edificam a sociedade atual. Deste modo, ao relacionar os espaços expositivos da Arte e da Moda, o artista afirma que estes são dois grandes celeiros de cultura. Considerando que a instância superior do circuito da Moda é a passarela, e o da Arte é o museu. Maxwell afirma que esses espaços precisam ser reivindicados por corpos pretos, pois são nesses lugares onde as narrativas e a construção de imagens são manipuladas e legitimadas.
entre a Igreja e a Instituição, Pavilhão.
A imprevisibilidade, fragilidade e intensidade da produção de Maxwell Alexandre informa a necessidade de criar um espaço anexo, próprio, onde o artista possa mostrar seu trabalho fora do circuito oficial de arte contemporânea. Consciente do volume extraordinário de sua produção, Maxwell sabe que não existe agenda institucional que dê conta de exibir toda sua obra em percurso, tendo em vista que os museus e as galerias têm outros interesses, precisam atender outros artistas e estabelecer diversidade em seus programas. O Pavilhão Maxwell Alexandre é a capela exclusiva do artista, uma tentativa de curar e exibir em tempo real suas elaborações e interesses. É onde congrega toda sua mitologia ainda em desenvolvimento: trabalhos inacabados poderão ser apresentados, sem tanta tensão comercial e burocracias que reivindicam o objeto de arte pronto, seguro e imaculado. Essa é uma premissa fundamental da nova edificação em comparação à circulação de obras de arte no mercado e nas instituições vigentes. O artista entende que seu Pavilhão é o lugar do risco, de mostrar vulnerabilidade, trabalhos ainda em fases imaturas, duvidosas e constrangedoras.
nem tudo que se mostra tem que se vender. Nem tudo que se cria tem que se tornar patrimônio individual.
Maxwell tem lidado com indagações e preocupações sobre a exibição, aquisição e conservação de sua obra constantemente desde o início de sua carreira. As novas pinturas a óleo que chegam ainda molhadas no primeiro Pavilhão do artista, nenhuma disponível para vendas, certamente seriam questionadas num âmbito comercial no sentido da vulnerabilidade do contato do óleo com a superfície de um papel tão ácido. O Pavilhão acolhe a insegurança do trabalho, e permite Maxwell afirmar algo que o artista vem tentando estabelecer em suas relações com as galerias: nem tudo que está sendo mostrado tem que ser vendido, da mesma maneira que nem tudo que foi vendido tem que durar a vida toda. O mercado e o colecionismo precisam ser educados nesse sentido. A obra de arte não é a extensão de seu patrimônio, mas a pesquisa e seu desenvolvimento precisam ser encarados como patrimônio coletivo da sociedade. Em trecho da entrevista a Lux Magazine, em ocasião de sua exposição na galeria David Zwirner em Londres em 2020, Maxwell Alexandre afirmou:
“(…) Todo esse potencial, porém, teria se perdido se eu tivesse escutado uma série de agentes ali no início, quando mostrei o primeiro grande painel pintado com tinta de parede e graxa sobre papel pardo, o que deu origem a diversos questionamentos voltados para uma lógica de mercado. Ouvi coisas como: 'não faça isso porque é um grande problema conservar essas pinturas' ou 'vai ser muito difícil vender, trabalhe com formatos menores e vamos conseguir vender tudo'. O Masp, o maior museu do Brasil, me pediu para pintar cinco telas para que eles pudessem adquiri-las em vez das grandes pinturas em papel. A preocupação com a conservação e vulnerabilidade da obra foi um grande obstáculo no início de minha carreira.
Não segui nenhum conselho dessa natureza porque não havia construído as grandes pinturas de Pardo é Papel para serem algo comercial ou durável. Meu compromisso era com a pesquisa, e eu estava atento para ouvir o que o meu próprio trabalho pedia. Eu sabia do potencial que as obras tinham e elegi essas grandes pinturas de papel como bandeira para cravar no chão das instituições; para abrir um caminho, sem nenhuma preocupação com vendas. A exposição itinerante de Pardo é Papel que rodou os museus pelo o mundo foi minha estratégia desde o início no sentido de dar esse recado.”
por necessidade, não por conceito.
Maxwell construiu toda a semântica de seu trabalho até aqui com materiais menos tradicionais da história da arte, dentre eles a tinta látex de parede, o polidor de sapatos e o relaxante de cabelo, o henê. No entanto, desde o início de sua carreira profissional - 2018, que existe uma forte pressão e demanda por pinturas a óleo do artista, de preferência em tela. Maxwell afirma que só não utilizou óleo no início de sua carreira por não ter tido orçamento e que as poucas telas que aparecem em suas primeiras produções foram coletadas também no laboratório de moda da faculdade ou achadas na rua. Mais tarde, quando começou a ter sustentabilidade econômica devido ao reconhecimento de seu trabalho, o que possibilitaria a inserção do óleo em sua prática, Maxwell preferiu seguir se afirmando com os mesmos materiais rudimentares que experimentou no início de sua carreira, criando uma identidade muito particular naquele período.
O artista também não gostava da ideia de atender ao fetiche máximo do mercado: a pintura a óleo sobre tela. Esse foi mais um motivo para se manter firme pintando com tinta de parede em papel pardo. Mas com o tempo foi possível perceber que não se tratava apenas de uma atitude rebelde, já que os materiais se revelaram tão coerentes com a temática abordada pelo artista. Além do que, esses materiais mais rudimentares também ajudavam a tensionar questões do colecionismo e patrimonialismo e toda relação comercial da obra de Maxwell com as galerias, já que a fragilidade e a dúvida sobre a durabilidade de sua obra residia na alquimia desses materiais com seu suporte de pintura, o papel. Essa é uma questão muito instigante para o artista no sentido de testar até onde vai o limite da qualidade de sua obra atrelado ao desejo de aquisição e frente aos problemas de conservação da mesma. Em trecho para entrevista ao Documental Journal, em ocasião de sua primeira exposição nos Estados Unidos no The Shed de Nova Iorque, em 2022, o artista afirmou:
(…) Essa é uma questão interessante de considerar, porque quando você olha pra minha obra hoje e observa tanto o suporte quanto os materiais pictóricos de construção, você presume que seja algo pensado de forma minuciosa. O tijolo, o henê, a graxa de sapato, o látex… Em tudo isso existe uma coerência muito forte para o assunto que estou evidenciando. Mas é preciso dizer que essa não foi uma questão conceitual ou de narrativa, essas decisões foram tomadas por uma questão de necessidade e tudo isso teve muito mais a ver com o fato de simplesmente eu não ter dinheiro pra fazer pintura a óleo sobre tela, do que com uma escolha de fato. Esses materiais faziam parte do meu entorno, por exemplo o polidor era o mesmo que eu usava no meu coturno dos tempos do exército. Já o henê faz parte das histórias das mulheres negras nas favelas, assim como de minha mãe e minha irmã. Curioso também pensar que essa lembrança veio até mim a partir do cheiro, e isso me levava diretamente à minha infância. Percebi que esses materiais tinham também uma potência pictórica e que, felizmente, eram acessíveis. Para se ter uma ideia, com vinte reais eu poderia comprar um pequeno balde de tinta látex que me acompanharia durante o ano inteiro. Além disso, eu particularmente amo o aspecto da tinta de parede que tem essa aparência fosca e porosa. Mas, ainda assim, acho importante reforçar que essa decisão estética e o gosto por esses materiais não foram pensados conceitualmente, foram eleitos pela necessidade.
tinta a óleo, o material mais glamuroso da história da arte.
A arte contemporânea é marcada por novas tecnologias como projetores, computadores, celulares e materiais como aço, cobre, ferro, metal e até diamante. Embora a inventividade desse tempo passe por um desvio dos materiais mais convencionais da arte e novas categorias de atuação ganhem força, como performance, videoarte e a instalação, a técnica mais tradicional da história da arte, o óleo sobre tela, quer dizer, a pintura ainda representa mais da metade do interesse do mercado. E a tinta a óleo continua sendo a tecnologia mais glamurosa mesmo nos dias de hoje.
Quando Maxwell surgiu no circuito de arte utilizando outros materiais pictóricos, sobre um papel tão específico atrelado a sua maneira muito particular de pintar, trouxe junto um frescor para a prática e era como se a pintura estivesse sendo atualizada. É curioso que ao longo dos últimos anos, mesmo utilizando materiais duvidosos, o artista conseguiu se estabelecer fazendo com que seu valor de mercado e de especulação continuassem em vertiginoso crescimento, ainda que estivesse entregando somente papéis de quase 5 metros pintados com tinta de parede. Uma vez que o grande formato e o papel em si tem maior dificuldade de comercialização, é impressionante enquanto fenômeno comercial o artista ter conseguido avançar no mercado sem perder as raízes de sua pesquisa e interesse.
Embora seja possível encontrar o óleo presente em alguns trabalhos iniciais do artista, foi somente neste ano que Maxwell pintou pela primeira vez uma bandeira inteira de papel pardo - 320 x 480 cm - toda a óleo para a exposição Novo Poder: passabilidade na Espanha. Pode-se dizer que essa pintura aponta para um novo posicionamento do artista frente às tensões e fetiches do mercado, mas por outro lado, o suporte continua sendo o mesmo papel pardo, ácido, frágil e de menor durabilidade. Contando ainda que talvez o óleo seja mais danoso no contato da superfície do papel que os outros materiais utilizados anteriormente pelo artista. Acontece que essa grande pintura a óleo nos faz comentar sobre a ascensão e sucesso que o artista vem tendo. Seria correto uma afirmação de prosperidade e abundância nesse sentido ao trazer o óleo para sua prática de pintura neste momento.
Para além dessas especulações, podemos nos permitir apenas em perceber as questões mais inerentes à construção da nova grande pintura a óleo sobre papel pardo que está na exposição de Madri. É evidente a diferença de tratamento perante as outras que compõem a mostra e que foram feitas com materiais mais precários. No óleo, a pintura é mais vibrante e tem uma camada espessa que não revela tanto as dobras e os amassados do papel e nem sua transparência. Percebe-se de longe o peso visual da obra, que também se estende para o físico, o que demandou uma atualização em seu sistema de instalação para que a obra permanecesse suspensa e não desabasse durante o show.
conexão Espanha x Brasil.
O Pavilhão abriu suas portas às pressas no dia primeiro de abril em busca de se conectar com o programa da primeira exposição individual de Maxwell Alexandre na Espanha. Intitulada Novo Poder: passabilidade, a mostra foi inaugurada no início de fevereiro em Madrid, no centro cultural La Casa Encendida, e se encerrará dia 16 de abril.
Uma vez que o artista tem uma agenda de exposições majoritariamente internacional, o Pavilhão Maxwell Alexandre é anunciado para expandir, no Brasil, a discussão do que está sendo mostrado em galerias e museus fora do país. A intenção é gerar diálogo e dar acesso a uma audiência local à obra do artista e seu desenvolvimento a longo prazo.
Novo Poder.
Na série Novo Poder, Maxwell explora a ideia da comunidade preta dentro dos templos consagrados de contemplação da arte contemporânea: galerias, museus, centros culturais e fundações. Para isso, ele dá ênfase a 3 signos básicos: as cores preta, branca e parda. A cor preta atua como o corpo preto manifestado pela figuração de personagens; a cor branca aponta para o cubo branco espelhando o espaço expositivo; e a cor parda representa a obra de arte e também faz autorreferência ao próprio papel que é o suporte principal da série.
passabilidade.
A caminhada segura e tranquila pelo cubo branco. Este é o conceito de passabilidade nos termos de Maxwell Alexandre.
Tratada pela primeira vez dentro da série Novo Poder na Espanha, passabilidade ganha desenvolvimento e chega com uma abordagem mais aguda ao Pavilhão, através de uma instalação ambiciosa com mais de 50 retratos, todos pintados a óleo sobre papel pardo. Firmes e conscientes desses espaços - museus e galerias - que outrora eram hostis a pessoas melanizadas, os personagens caminham elegantes, como se estivessem desfilando numa passarela. Em Novo poder: passabilidade, o artista faz esse cruzamento entre moda e arte contemporânea, denotando os dois campos como plataformas de empoderamento, que oferecem dignidade e autoestima para o indivíduo.
a presença e o corpo.
Diferente da La Casa Encendida, no Pavilhão, passabilidade se estabelece a partir da ênfase nos personagens. Para isso o papel assume um formato vertical - 210 x 90 cm - imprimindo a ideia de corpo e a escala humana. Essa verticalidade reforça também a percepção de passagem e intensifica a noção de corredor e de passarela.
Em passabilidade Maxwell retira os retângulos pardo da composição de cada obra e o objeto de arte sai do foco para enfatizar o indivíduo dentro do espaço expositivo, afirmando sua presença num cenário de disputa de poder de imagem. Assim como nas vernissage, que apesar de ser um evento de celebração e contemplação de obras de arte, o que realmente importa é a congregação das pessoas. Nessas vernissages a dinâmica de poder e distinção social é dada a partir de códigos que vão desde as roupas e acessórios, ao jeito de falar e de apreciar a arte, assim como de qual grupo ou roda de conversa você participa. É o jogo glamuroso e vaidoso do mundo da arte, onde o corpo e a presença é mais condutor das interações do que o objeto sagrado que está na moldura ou no pedestal. Desfilar, caminhar seguro num dia como esse é a afirmação desse Novo Poder que Maxwell reforça, agora, também, através do conceito de passabilidade.
o retrato, o óleo e a dignidade.
Ao ocultar o objeto de arte da cena e escolher o retrato - gênero da pintura para descrever com dignidade o sujeito humano - Maxwell traz o protagonismo para as figuras pretas e sua caminhada elegante pelo cubo branco. "Me parece muito coerente usar o material mais glamuroso da história da arte, a tinta óleo, para fazer retratos em passabilidade. O óleo é generoso no sentido de permitir resultados visuais mais esplêndidos e vibrantes. A sofisticação da tinta junto a elegância dos personagens pintados gera o diálogo perfeito para traduzir a segurança e a tranquilidade das figuras completamente familiarizadas, caminhando e pertencendo com firmeza e consciência aos espaços expositivos da arte ", diz o artista. Maxwell parece ter acertado mais uma vez nas escolhas e diretrizes, formais e conceituais, para apresentar Novo Poder: passabilidade em seu 1˚ Pavilhão.